Quando se fala em divulgação científica, o incentivo para
que ela se torne uma cultura no Brasil deve ir além da questão financeira. Esse
foi um dos principais focos da discussão realizada durante o evento Difusão científica na prática: projetos e possibilidades, realizado no último dia 17 pelo Instituto de Estudos
Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP.
Segundo a coordenadora do festival de divulgação científica
Pint of Science Brasil Natália Pasternak Taschner e o docente do Instituto de
Física da USP Mikyia Muramatsu, que participaram como palestrantes no evento, a
própria universidade deve quebrar seus preconceitos e se envolver mais
intensamente na difusão de pesquisas científicas à sociedade.
“Fazer divulgação científica hoje é algo voluntário. Não
existe retorno financeiro e nem incentivo ou reconhecimento dentro da
universidade. Enquanto não existirem políticas públicas e institucionais de
fomento, isso vai ser feito apenas por quem realmente gosta e está disposto a
sacrificar seu tempo livre. Tem alunos de pós-graduação que se interessam, que
gostam de fazer divulgação científica. E se isso valesse crédito na pós? É
preciso criar situações propícias, pois dificilmente um aluno de doutorado vai
parar suas pesquisas para fazer divulgação”, diz Natália.
“A academia precisa também fazer uma autocrítica. Vejo no
instituto poucos professores que se dispõem a atender a imprensa, pois
acreditam que os jornalistas deturpam tudo o que eles dizem. Às vezes o
jornalista pede algo estrambólico, sobre o fenômeno de uma santa que aparece em
um vitral ou uma pulseira holográfica usada por uma celebridade. Mas é a
ciência que está falando, a USP. Por isso ele precisa colaborar”, afirma
Muramatsu.
Os palestrantes destacaram ainda a importância de se
estimular iniciativas que promovam divulgação da ciência, considerando os
cortes realizados recentemente pelo governo no orçamento que podem prejudicar o
futuro das pesquisas – e da própria sociedade – no Brasil.
“Ninguém é obrigado a fazer divulgação científica, mas essa
postura gera uma certa vulnerabilidade para o próprio pesquisador, e é
exatamente isso que estamos sentindo atualmente. Daí vemos um corte de 44% no
orçamento do ministério porque ninguém entende o real valor da ciência e da
tecnologia para a sociedade”, lembra Natália.
Muramatsu reforçou também a necessidade de se investir no
ensino de ciências, ação que ele busca por meio do projeto Arte e Ciência no
Parque, que já foi levado a 100 mil pessoas em parques e escolas de ensino
fundamental e médio de São Paulo. “A educação científica ajuda a melhorar o
exercício da cidadania. Um cidadão bem formado vai saber votar melhor. Além
disso, a ciência proporciona inclusão social. No Brasil, apenas 1% da população
frequenta museus de ciência. Na Europa, esse percentual é de 25%. Faltam
museus, falta pesquisa mostrando a interação entre o ensino formal e o informal
[realizado em museus e espaços fora das escolas] e faltam laboratórios nas
escolas. De acordo com o INEP, somente 20% das escolas têm laboratórios de
ciências. Não é à toa que temos um resultado tão ruim no PISA [em português, Programa
Internacional de Avaliação de Alunos]”.
Coordenadora do Pint of Science, um festival internacional
de divulgação científica que é realizado simultaneamente em 11 países durante
três noites, Natália também tem outras iniciativas de divulgação científica,
como o blog Café na Bancada, uma coluna em uma revista de saúde e um projeto
que leva atividades sobre ciências a escolas particulares de São Paulo. Mas,
para ela, o Pint of Science foi a que teve maior sucesso.
“Foi algo inesperado, não imaginávamos que ia dar tão certo.
Em 2015 foram sete cidades, este ano são 22 e eu já tenho uma lista de 30 para
2018. Os bares lotaram em todas as noites, o que mostra que o cientista quer
falar e a população quer ouvir. Acredito que deu certo porque você consegue
transformar a ciência em uma conversa de bar, um programa para fazer com o
namorado, a família. E tem um impacto positivo, porque ainda que seja um
programa pontual, quem esteve ali vai começar a olhar a ciência de forma
diferente”, afirma.