O trabalho no setor de serviços envolve uma série de dimensões
relacionadas ao corpo, às emoções e à própria cognição do profissional que
muitas vezes não são levadas em consideração pelos empregadores. Isso provoca
uma série de invisibilidades cujas consequências atingem a própria saúde mental
do trabalhador. Para abordar esse tema, o USP Analisa desta sexta (26) recebe o
professor da Universidade da Quebec em Montreal (UQAM) Angelo Soares.
Segundo ele, essas invisibilidades acontecem porque o modelo utilizado
para analisar o trabalho baseia-se na indústria e gera distorções quando
aplicado ao setor de serviços. “Hoje, por volta de 70% da população ocupada no
Brasil está no setor de serviços. No Canadá, esse número chega a 79%. Essas
invisibilidades estão presentes muito mais do que imaginamos em nosso dia a
dia. Temos invisibilidades ao nível das competências necessárias para fazer o
trabalho, por exemplo, emocionais, relacionadas à utilização do corpo,
relacionais. E essas competências geralmente são invisíveis”, diz ele.
Soares analisou alguns tipos de profissões do setor de serviços em suas
pesquisas e identificou algumas dessas invisibilidades. “Teve uma enfermeira
que me disse: ‘quando o paciente morre, todo mundo se envolve. Ele estava aqui
há muito tempo, eu conheço a família, conheço os filhos, os netos. Quando ele
morre, eu choro com a família. Mas quando eu saio desse quarto e entro no
quarto ao lado, eu abro meu sorriso, porque esse paciente que morreu não
precisa mais do meu sorriso, mas esse que está vivo precisa’. Então é uma
ginástica emocional muito grande. Esse é um exemplo da competência emocional,
da gestão das emoções necessária para fazer o trabalho”.
O docente também criticou as reformas propostas pelo governo brasileiro
na área trabalhista, destacando que pode haver precarização e sérias
consequências à própria saúde mental do trabalhador. “O governo afirma que
essas mudanças vão gerar mais empregos, mas é preciso especificar o tipo de
emprego. Podemos criar muitos postos de trabalho sem exigência de qualificação
e que causem problemas de saúde. A qualidade é muito importante. Para a
sociedade brasileira, será uma catástrofe que, em vez de mil empregos com
autonomia e boa saúde mental para os trabalhadores, sejam criados dez mil onde,
ao final de um ou dois anos, eles estejam completamente doentes”.
A entrevista vai ao ar nesta sexta (26), a partir das 12h. O USP Analisa
é uma produção conjunta da USP FM de Ribeirão Preto (107,9 MHz) e do Instituto
de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP.