Uma proposta ousada e fundamental para a neurobiologia:
criar uma nova matemática que ajude a entender como funciona o cérebro. É
exatamente esse o objetivo do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em
Neuromatemática, o Cepid Neuromat. O coordenador do centro, Antonio Galves,
esteve no dia 9 de junho em um evento realizado pelo Instituto de Estudos
Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP para falar sobre as atividades
desenvolvidas.
“O Cepid Neuromat não é um centro de matemática aplicada, no
sentido de que ele aplica a matemática já existente para tratar dados
experimentais. A matemática que a biologia precisa para entender o cérebro
ainda não existe. Ela precisa expressar coisas bem mais complicadas”, afirma
Galves.
De forma didática e com exemplos práticos, o coordenador
procurou mostrar alguns resultados de pesquisas desenvolvidas pelo centro que
mostram como se dá o funcionamento dos processos cerebrais.
“O físico austríaco Ludwig Boltzmann formulou uma hipótese a
respeito do cérebro em 1883: o cérebro faz um tipo de inferência inconsciente
como forma de sobrevivência. Ele conjectura que o tempo todo você trata os
estímulos que chegam do mundo ao seu redor atribuindo um modelo e usando esse
modelo para fazer predições. Quando você dirige, por exemplo, é preciso prever
uma série de fenômenos, senão o carro acaba sofrendo um acidente. No futebol
também é assim. Por exemplo, se você for torcedor do Corinthians, você pode se
perguntar como é que o Rodriguinho sabe que, quando chutar a bola, no segundo
seguinte o Jô estará lá para receber. E como o Jô sabe para onde deve correr?
Provavelmente, os dois analisam a situação, constroem um modelo do que está
acontecendo e esse modelo é que o Rodriguinho jogue a bola em um lugar que o Jô
está”, explica ele.
Alguns experimentos realizados com a ajuda de um
eletroencefalograma (EG) permitem aos cientistas entender de que forma o
cérebro consegue processar a informação e prever o que acontecerá no momento
seguinte. O coordenador explicou como o exame funciona usando como exemplo um teste
conduzido pelo Neuromat, que monitora o comportamento das ondas cerebrais de
voluntários durante a repetição de uma sequência de sons, a qual sofre interrupções
propositais para simular um efeito surpresa.
“Nós marcamos o intervalo de tempo para cada
eletroencefalograma correspondendo a uma batida forte, uma fraca ou uma unidade
silenciosa. O EG é uma função. Nós usamos 18 eletrodos. São 18 funções que
duram mais ou menos meio segundo cada. Elas traduzem a qualidade do estímulo. A
unidade silenciosa constitutiva [que faz parte da sequência determinada pelos
pesquisadores], por exemplo, tem um EG diferente da batida fraca apagada em
silêncio”, explica.
Galves utiliza o futebol para mostrar como a matemática é
utilizada nos estudos de neurobiologia. Ele compara o comportamento dos
neurônios a um estádio lotado em dia de jogo, no qual os torcedores utilizam as
mesmas camisas e a única forma de identificar para que time eles torcem é
analisando suas reações ao longo do jogo.
“Mas e o que a matemática tem a ver com isso? Tem tudo a ver
com isso. Nessa variabilidade de comportamentos aparece uma regularidade que
mostra que, se nós dois somos flamenguistas, nós vamos torcer ao mesmo tempo,
da mesma maneira, embora eu me distraia e ela não, eu esteja chateado porque
não preparei bem minha aula... Enfim, se eu pegar todos os comportamentos, eles
serão essencialmente os mesmos. Ou seja: o que eu fiz foi atribuir um modelo a
um comportamento global. E isso é essencialmente o que faz um neurobiólogo
quando ele olha EGs e tenta entender se a evolução desse eletrodo está
correlacionada ou não”, afirma o coordenador.
Jogo multifunção
Galves apresentou ainda um jogo para smartphones
desenvolvido com o objetivo de levar as experiências desenvolvidas pelo
Neuromat a alunos de ensino fundamental e médio. Nele, o jogador atua como o
goleiro que precisa pegar o pênalti e deve decidir para que lado pular.
“O que faz o jogador que vai bater o pênalti? Usa uma árvore
com probabilidades 2-1-0: 2 representa chutar à direita, 1 à esquerda e 0 ao centro.
Mas descobrimos que esse jogo podia servir pra outras coisas, como diagnóstico
de Parkinson. Estamos aplicando sistematicamente para poder validar essa
ferramenta. Por isso criamos uma atividade chamada AMPARO – Rede Neuromat de
Apoio a Amigos e Pessoas com Doença de Parkinson”, conta.
Segundo ele, o jogo está sendo testado também como
instrumento de avaliação de pessoas com lesão no plexo braquial, um conjunto de
nervos que conduz sinais da medula espinhal para os membros superiores. O
estiramento do sistema nervoso periférico nesses casos causa dificuldade de
movimentos e a pessoa não consegue mais trabalhar.
“A operação que vai reconstruir pega uma ponta do sistema
nervoso, conecta nos músculos intercostais e depois conecta no bíceps. Assim,
se forma uma linha de comunicação que vai receber sinais tanto do braço, quanto
dos músculos intercostais e ainda mandar de volta. É um recurso de plasticidade
interessantíssimo que ainda queremos estudar. E o que pode fazer o jogo nesses
casos? Ajudar os profissionais a avaliarem a evolução dessa reorganização no
paciente e eventualmente no treinamento da pessoa”, diz o coordenador.