O modelo de consumo linear está chegando a seu limite. A
partir de agora, os modelos de negócio passarão cada vez mais a privilegiar
iniciativas da chamada economia circular, que preza melhorias do processo de
produção não apenas pensando em sua eficiência, mas na eficácia de todo o
sistema. Essa discussão pautou duas sessões do Seminário de Sustentabilidade Winter Working Week, realizado entre os
dias 3 e 7 de julho na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de
Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP. As sessões contaram com o apoio do Instituto de
Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) na divulgação.
Segundo o docente da Escola de Engenharia de São Carlos
(EESC) da USP e coordenador do Programa de Economia Circular da universidade,
Aldo Roberto Ometto, desde os anos 80 há uma preocupação com os resíduos
gerados pelo processo de produção.
“A Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecida em 1981,
fez com que a questão ambiental se resumisse a tratar resíduos. Era uma espécie
de ‘mal necessário’, uma obrigação que gerava custos, mas que também passou a
despertar o interesse pelo reaproveitamento dos resíduos tratados. Já na década
de 90, o foco saiu do resíduo e passou a ser a melhoria do processo para uma
produção mais limpa. Começou-se, então, um entendimento de que a questão
ambiental não representava um custo, mas que podia reduzir o desperdício. Nos
anos 2000, as melhorias se estenderam ao ciclo de vida do produto, abrangendo
desde a extração, o processamento, o uso e o reuso”, explica.
Mais recentemente, algumas empresas perceberam que o próprio
modelo de negócio, o qual visa à busca pelo lucro somente por meio da redução
de custos, não era mais viável. “Agora, a questão ambiental entra no campo da
estratégia. A obtenção de lucro não está ligada apenas à redução do custo, mas
também à geração de valor”, diz Ometto.
Ele destaca que hoje os jovens não estão mais tão
preocupados com o acúmulo de bens, mas sim com o acúmulo de experiências e
conhecimento. “O jovem bem sucedido quer viajar pelo mundo, não ter uma
Ferrari. Tudo o que ele precisa está no celular. Por isso, empresas como o Uber
e o Airbnb estão ganhando espaço. Elas colocam à disposição recursos que não
estavam sendo usados. O consumidor passa a ser um usuário”.
A inovação também é uma peça-chave para a geração de valor
nos novos modelos de negócio ligados à economia circular. Segundo Ometto, o
ambiente de inovação não envolve somente a empresa e o cliente, mas um número
muito maior de stakeholders e de uma
forma mais ampla. “Somente empresas que conseguirem gerenciar essa complexidade
vão encontrar vantagens competitivas nesse novo modelo”.
Ele citou ainda exemplos de empresas que já estão se
adequando a essa nova perspectiva tanto no Brasil quanto em outros países, como
um fabricante de lâmpadas que agora oferece um serviço de iluminação; uma
indústria de facas que oferece serviço de corte; e uma empresa de purificadores
de água que disponibilizou um serviço de assinatura para os clientes. A ideia é
que, assim, os produtos ganhem durabilidade, trazendo vantagens tanto para a
empresa quanto para o usuário. “Oferecendo serviços, a empresa passa a fornecer
um produto de alta eficiência e gera valor para mais clientes”, diz Ometto.
O docente destacou, por fim, a parceria entre a Fundação
Ellen MacArthur, principal disseminadora das práticas de economia circular, e
sete universidades em todo o mundo, entre elas, a USP. “A USP é a única delas a
fazer um trabalho de ambientalização curricular dos aspectos de
sustentabilidade nas disciplinas da graduação. É um grande desafio”.
Exemplos da Índia e
China
Oficial de assuntos econômicos da Unctad, a Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, Henrique Pacini apresentou
ações desenvolvidas pela instituição na Índia e na China em parceria com a
Fundação Ellen MacArthur.
“A Fundação queria aumentar sua participação e a difusão do
conceito de economia circular em países em desenvolvimento. Ela se aproximou da
Unctad porque a agência tem um bom trânsito nesses países e poderia dar
credibilidade para que os governos se abrissem”, explica.
Além de promover o contato com os governos, a Unctad fornece
dados sobre os setores produtivos, para que a Fundação identifique setores mais
propensos a economizar com a introdução das práticas de economia circular e
ainda auxilia na comunicação com a imprensa local, que, segundo Pacini, tem
grande força para incentivar essas práticas e mostrar os benefícios.
“Na Índia, os dados mostraram que a economia pode chegar a
624 bilhões em três setores: construção, agricultura e mobilidade. Agora, as
duas instituições estão trabalhando em um projeto semelhante na China, mas
desta vez com outros dois setores além desses três: têxtil e tecnologia da
informação, já que a indústria eletrônica chinesa é a maior do mundo.
Acreditamos que as potencialidades da China serão muito maiores que as da
Índia”, diz ele.
Pacini conta ainda que a Unctad tem interesse em lançar
projetos como esses na África e na América do Sul. Brasil e África do Sul são
prováveis candidatos para as experiências. “A ONU pode atrair visibilidade para
os projetos. Queremos que essa visibilidade atinja as áreas onde realmente isso
vai ser transformativo. É em países que crescem 7% ao ano, como o Laos, que isso
vai fazer a diferença na vida das pessoas, e não na Suíça, onde se cresce 0,5%
e tudo está estabilizado”.
Projeto Cana Verde
O Projeto Cana Verde, desenvolvido pelo Grupo Balbo desde
1983, também foi discutido no evento. O gerente de produtos da Native Produtos
Orgânicos, Fernando Alonso de Oliveira, mostrou os desafios da implantação do
projeto, que introduziu mudanças em praticamente todas as etapas de produção.
Hoje, os produtos orgânicos são distribuídos em 60 países nos cinco
continentes.
Atitudes como a abolição da queimada da cana antes da
colheita, que foi substituída pela colheita mecânica; a reciclagem de efluentes
da industrialização da cana, incluindo o uso da vinhaça como fertilizante e a
geração de eletricidade a partir do bagaço; o uso de fertilização natural no
solo e o controle biológico de pragas aumentaram a produtividade e provocaram o
crescimento da biodiversidade na região das usinas.
“Também foram plantadas mais de um milhão de árvores para
proteger áreas sensíveis, como regiões de manancial. Com o aparecimento de mais
espécies na região, fizemos uma parceria com a Embrapa Monitoramento de
Satélite, de Campinas, que montou um mapa de habitats da fauna. Foram
encontrados 335 grandes vertebrados no local. Até mesmo uma sucuri”, conta
Oliveira.
Segundo ele, o crescimento da variedade de artrópodes é um
dos indicadores de sustentabilidade do projeto. “Mais importante que a
quantidade é a qualidade. Encontramos nove tipos de joaninhas nos campos. As
joaninhas são um bom indicador de controle biológico porque mostram quando
alguma praga aparece”, diz o gerente.
O docente da Universidade de Birmingham Ian Thomson, que
participou de uma das mesas redondas do evento, ficou animado com o case.
“Gosto de ver em prática projetos que incluam um mix de tecnologia, gestão e
ciência. Geralmente as empresas têm muros ao seu redor, é preciso derrubá-los
para interagir melhor com os stakeholders, principalmente os marginalizados,
como é o caso da própria natureza”, afirma ele.