A possibilidade de editar genes humanos para prevenir doenças hereditárias e também para selecionar características da preferência dos pais não é uma realidade tão distante assim. Mas quais dilemas éticos estão por trás de procedimentos que há bem pouco tempo pareciam apenas cenas de filmes de ficção científica? Esses foram alguns dos assuntos discutidos pela geneticista e docente do Instituto de Biociências da USP Mayana Zatz na conferência “GenÉtica: Escolhas que Nossas Avós não Faziam”, realizada pelo Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP na quarta-feira, dia 31.
Mayana, que também coordena o Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-tronco, reuniu uma vasta coletânea de histórias ao longo de 40 anos de atuação no aconselhamento genético de famílias com doenças neuromusculares. Os casos ajudam a refletir sobre o papel dos profissionais da área na orientação de escolhas reprodutivas e que resultados dos testes devem, de fato, ser compartilhados com os pacientes.
Um dos tópicos abordados por Mayana foi a questão da privacidade, pois com um conhecimento cada vez maior sobre o genoma humano, teme-se que escolas, empregadores e até mesmo operadoras de planos de saúde tenham direito de solicitar testes para detectar, por exemplo, genes ligados à inteligência ou à propensão para determinadas doenças.
"A Grã-Bretanha autorizou, em 2000, empresas a exigirem testes genéticos de clientes que tivessem parentes portadores de Coreia de Huntington, sob pena de não fazer o seguro-saúde. Felizmente, nos Estados Unidos isso foi proibido. Mas no Brasil não há uma legislação específica".
Seleção de embriões e manipulação de genes
De acordo com a geneticista, já é possível evitar determinadas doenças genéticas nos casos de fertilização assistida por meio da seleção de embriões. “Você faz a fertilização e, quando há um embrião de 8 a 16 células, extrai-se uma ou duas células para checar a presença de mutação. Assim, somente embriões sem mutação são implantados, o que evita a interrupção da gestação”.
Mas e se em vez de selecionar genes, os pesquisadores pudessem “editá-los”? Segundo Mayana, essa técnica existe e vai aumentar a possibilidade de consertar mutações. Intitulada CRISPR-Cas9, ela foi desenvolvida pela bioquímica norte-americana Jennifer Doudna e pela microbiologista francesa Emanuelle Charpentier.
“Quais questões éticas isso vai levantar? A primeira é a pesquisa em células embrionárias. As cientistas acham que não deveríamos fazer pesquisa com essa tecnologia em células embrionárias. Eu defendo que sim. Se em vez de descartar um embrião que vai ter, por exemplo, uma mutação para o gene da distrofia de Duchenne, eu pudesse corrigir essa mutação e evitar que ela fosse transmitida a outras gerações, seria fantástico. Claro que ainda precisamos ter segurança para saber se estamos atuando somente sobre aquele gene ou sobre outros genes. Se a gente não fizer pesquisa, não vamos conseguir fazer isso nunca".
Para Mayana, as pesquisas em genômica reservam outra revolução para a medicina: a farmacogenômica, que trará uma personalização muito maior aos tratamentos. Ela explica que variantes nos genes determinam respostas diferentes para drogas, o que faz com que cada pessoa responda de forma diferente ao uso de um mesmo medicamento. Testes genéticos permitirão determinar qual o melhor remédio e a dose mais apropriada para cada indivíduo.
“A medicina do futuro será preditiva, personalizada, preventiva e participativa. A terapia gênica e celular permitirá substituir tecidos e órgãos e a morte será uma escolha, não um destino. A grande questão é: nós saberemos lidar com essa revolução?”